Parabéns Arquivo Público do DF

Inventários do tempo

Arquivo público de Brasília ganha prêmio internacional no programa Memória do Mundo, da Unesco, com destaque para o acervo da Missão Cruls

Pablo Rebello Da equipe do Correio Arquivo público do Distrito Federal

Cientistas cruzaram o Sudeste em direção ao Centro-Oeste durante sete meses com objetivo de demarcar a futura capital
Adauto Cruz/CB
Euler Barros, do Arquivo Público: guardião da memória da capital
Adauto Cruz/CB

Oscar Niemeyer, o criador dos monumentos, na década de 1950Em 1892, uma comissão de 21 pesquisadores, liderada pelo astrônomo Luiz Cruls, recebeu do então presidente da República, Floriano Peixoto, uma tarefa que marcaria a história de uma cidade que ainda nem existia. A Missão Cruls, como ficou conhecida, explorou o Planalto Central e demarcou a região que veio a abrigar a capital do Brasil mais de seis décadas após. Além do relatório dos estudos da comissão sobre o futuro Distrito Federal, detalhes da viagem foram anotados, à mão , em pequenas cadernetas de bolso, como os diários de campo do engenheiro Hastimphilo de Moura. O relatório e as cadernetas hoje fazem parte do acervo do Fundo Novacap, do Arquivo Público do DF, que conta com diversos documentos importantes que relatam os aspectos da construção de Brasília e que acaba de ganhar importância histórica nacional. O Programa Memória do Mundo, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), premiou o Fundo Novacap com o reconhecimento de que ele possui relevância para a história e a memória coletivas da sociedade brasileira. O acervo documental concorreu com 17 proposições, das quais 10 ganharam o prêmio da Unesco e três receberam indicação para concorrer à nominação de registro na América Latina e Caribe. Comitê nacional O Fundo Novacap foi um dos escolhidos para representar o país no exterior. As 10 propostas vencedoras serão reconhecidas por uma portaria do ministro da Cultura, Gi lberto Gil, e diplomadas em uma cerimônia a ser realizada no dia 8 de novembro no Rio de Janeiro.O Comitê Nacional do Brasil, criado em 2004, foi o responsável pelo lançamento do Programa Memória do Mundo no país. A decisão do Arquivo Público do DF em inscrever o Fundo Novacap como um dos concorrentes do Programa veio quando o diretor do arquivo permanente, Euler Frank Lacerda Barros, tomou conhecimento da seleção que seria realizada pela Unesco. “Acreditei que nosso acervo tinha chan ces de ser um forte candidato”, explicou Barros, que preparou um relatório de 32 páginas e um CD interativo para demonstrar a importância dos documentos guardados e protegidos dos efeitos do tempo pela instituição. Entre os documentos textuais que integram o Fundo Novacap encontram-se, além do relatório e diários da Missão Cruls, tesouros como os projetos concorrentes do concurso Plano Piloto, assim como a ata da comissão julgadora que escolheu o trabalho desenvolvido por Lucio Costa p ara a criação da futura capital federal. A partitura e a letra da Sinfonia da alvorada, assinadas por Tom Jobim e Vinícius de Moraes, para homenagear a inauguração de Brasília, mas executada somente anos depois, também se encontra no acervo documental. Primeiros dias Esses são apenas alguns exemplos dos arquivos do governo local sobre a história de Brasília. O acervo inclui ainda estudos de outras comissões que vieram após a Cruls, como as lideradas pelo marechal José Pesso a e o general Djalma Polli Coelho, com o mesmo objetivo de localizar a área da nova capital, além de extensa documentação cartográfica, com mapas e plantas. Também integram os arquivos milhares de processos, correspondências, atas, projetos, relatórios, livros contábeis e recortes de jornais sobre a Missão Cruls e a fundação de Brasília. Fotos, negativos, ampliações, cópias-contatos e slides mostram toda a saga dos candangos, dos primeiros dias no Planalto Central até a conclusão das c onstruções de prédios e monumentos que deram forma a Brasília. Filmes gravados em 16mm e 35mm também ilustram o período. Aliás, dos documentos guardados no Arquivo Público do DF, o acervo filmográfico é o que apresenta maiores problemas. Alguns filmes estão em processo de deterioração e parte deles teve que ser passada para VHS, de modo a preservar a memória da época. Odisséia Brasília Todos os arquivos do Fundo Novacap encontram-se à disposição de pesquisadores e interessados na memória da capital. O diretor do arquivo, Euler Frank, acredita que a importância do acervo documental não se encontra apenas na antigüidade do mesmo. “A maioria dos documentos datam da década de 60, não são muito velhos. Mas o contexto cultural, o desenvolvimento social, artístico e político que esses papéis, fotos e filmes revelam, isso sim tem um valor inestimável”, argumentou. “A notícia de que possuímos acervos arquivísticos de importância nacional também irá dar maior visibilidade para os pesquisadores que desejam estudar a odisséia da construção da nova capital”, completou. Para saber maisA missão do futuroDocumentos de grande valor histórico sobre a fundação da cidade a Missão Cruls estão guardados no Arquivo Público do DF. Os interessados que desejam estudar a memória da capital e os primórdios do desenvolvimento da região central do Brasil terão acesso a documentos bastante reveladores. Por exemplo, ficará sabendo que já em 1750, quando o Brasil era colônia de Portugual, o cartógrafo genovês Francisco Tossi Colombina elaborava a Carta de Goiás e sugeria, pela primeira vez, a mudança da capital do país para essa região. Há também registros no arquivo sobre o desejo do Marquês de Pombal de mudar a sede do governo para o que ele chamava de Vale do Amazonas. Os Inconfidentes também demonstravam o mesmo interesse. Em 1789 eles incluiram em seu programa a transferência da capital para São João Del Rei, em Minas Gerais. Mas foi só no começo do século 19 que o jornalista Hipólito José Costa, por meio do Correio Braziliense, começou de fato uma forte campan ha sobre a necessidade de mudança da capital para o Centro-Oeste. José Bonifácio, o Patriarca da Independência, vislumbrara a transferência da capital para a cidade de Paracatu, em Minas, e chegou a propor os nomes de Petrópole ou Brasília para a futura sede do poder. Em 1892 o presidente Floriano Peixoto nomeou a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil com o objetivo de iniciar a demarcação do Distrito Federal, que ficou conhecida como Missão Cruls, porque era liderada pelo astrônomo belga Luiz Cruls. Ele comandou uma equipe de 21 pesquisadores entre geólogos, higienistas, botânicos, naturalistas, engenheiros e médicos. A Missão Cruls, que saiu do Rio de Janeiro em direção ao Planalto Central em junho de 1892, usou a Ferrovia Mogiana para cumprir, em sete meses, um percurso de 4 mil quilômetros. Os pesquisadores realizaram estudos inéditos como mapas climáticos e topográficos, registros de fauna e flora. Também se preocuparam em fazer um inventário etnográfico da s populações rurais. Os trabalhos foram concluídos em junho de 1894. Somente em 1952 o Congresso Nacional aprovou a lei que determinava a edificação da nova capital.

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